Sobre esquecer as coisas, sempre e sempre

Um dia, a mãe me reclamou que eu tinha esquecido de botar o copo na boca do galão. Pra tampar e impedir de entrar impurezas na água potável. Sendo que eu nem tinha chegado perto do galão. 

Fiquei muito frustrada com a acusação e isso evocou vários sentimentos mal resolvidos que eu tenho com esse tipo de situação e com minha relação com a minha mãe, num geral. Conversamos sobre e okay. Estou tentando prestar mais atenção em como as coisas me fazem sentir e registrar isso. Por isso estamos aqui hoje.

Outro dia, quando aconteceu de novo, ela me mostrou imediatamente. Eu tinha deixado o galão aberto "novamente", pelo visto. Aconteceu ali, na minha frente. Poxa. Quer dizer que estive fazendo isso sem perceber, por pura desatenção e que no dia que isso foi pontuado a primeira vez, tinha sido eu mesmo. Só que já devia fazer alguns minutos que eu tinha mexido no galão, passou o tempo sem ninguém ver. Por isso quando a mãe viu e falou, eu não aceitei. Pq não tinha sido naquela hora, nem recentemente. Tinha sido há mais tempo naquele mesmo dia, em alguma vez que eu botei água na garrafa e esqueci a tampa. Depois disso, eu esqueci de novo, mas lembrei logo em seguida e corrigi. E depois, eu ja esqueci mais outras vezes. Hoje não esqueço mais, porque não mexo mais no galão 🤡.

Enfim. Essa viagem toda, sou eu tentando entender os acontecimentos e meus sentimentos em relação ao que aconteceu. Na minha cabeça, eu preciso fazer toda essa reconstrução dos fatos, pra entender.

Não é bem o caso, mas esse ocorrido me fez pensar em algumas coisas.

Eu fico frustrada de sempre ter o mesmo resultado, mesmo depois de ter tentado vários caminhos diferentes. Mesmo eu me esforçando para mudar o resultado, ele permanece o mesmo. Daí eu tenho sempre que elaborar mil mecanismos, pra me lembrar das coisas. Me lembrar que eu tenho que, toda vez, checar uma lista que me faça lembrar de fazer as coisas, conscientemente. Ter um gatilho. Pq eu não consigo fazer essas coisas no automático. Inconsciente. Ou fazendo várias coisas ao mesmo tempo. 

"Ah mas pra isso e aquilo outro, tu consegue lembrar". Pois que ótimo. Pra um número limitado de coisas eu consigo, ainda bem. Mas pra tudo enquanto na minha vida, não. Eu vou precisar sempre ser lembrada. Ver um lembrete. Pra me trazer pra consciência, trazer pra superfície, que eu preciso fazer algo. 

E isso é extremamente frustrante e cansativo. Não lembrar de escovar o dente, ou de tomar o remédio que eu todo todo santo dia, só pq minha rotina mudou minimamente e eu não chequei uma lista. Ou não vi o gatilho. Não vi a escova naquele dia. E mesmo sendo algo que eu faço todo dia e eu deveria já fazer no automático, pelo quão recorrente aquilo é feito, eu só não consiga fazer sem estar 100% consciente e com intensão de fazer.

E quando eu digo com intensão, não é sobre eu não querer, eu não dar prioridade, eu ser preguiçosa. É sobre eu perder o foco rapidamente das coisas. Tem 5min que eu vi a mensagem: "lembra de falar pra médica do teu refluxo." É do meu interesse, eu preciso e eu estou no momento e lugar para resolver isso. Eu entro na sala da medica e ela pergunta: "tem mais algo que vc queira falar sobre?" E eu penso e digo: "não". Foi porque eu não queria? Porque eu sou burra? Pq eu não presto atenção de propósito? Porque eu não li e reli a mensagem várias vezes antes de entrar na sala? Não... Foi porque eu esqueci e meu cérebro é assim e vai fazer isso sempre. Por N motivos que eu não entendo.

Então, é lista pra eu lembrar de guardar o cabo do notebook quando tiver guardando meus equipamentos no trabalho, pra não esquecer na escola. E mesmo assim eu o esqueço quase que mensalmente. Ainda que checando a lista. Tem sempre um dia que eu esqueço de checar, que alguma coisa acontece que muda minha rota ou meu foco, e eu não lembro de ver a lista, só percebo que chegou o fim da aula e ta na hora de ir pra casa. E lá se foi minha atenção e o cabo do notebook. Pego a bolsa e vou embora sem olhar pra trás. Ou as vezes ate olhando e não vendo nada de errado.

É lista matinal, lista noturna, lista para cada dia da semana que tenha demandas recorrentes. E as não recorrentes ficam com Deus, pelo meio do caminho, porque não tem como fazer lista pra elas e eu to muito ocupada fazendo as recorrentes. Ou o contrário tbm, acontece um imprevisto que me suga toda atenção e me desvia das tarefas recorrentes. Nem sempre ou quase nunca, consigo contemplar todas as coisas ou o mínimo das coisas necessárias pro dia. E nem é sobre produtividade ou sobre o capitalismo. Em que todo mundo ta cansado e todo mundo só consegue entregar 50%. Entre eu e todo mundo, tem um abismo. E ele é notável. Muitas vezes, não por mim. As vezes eu sou a última a notar a discrepância, tao nítida para muitos outros.

Ai fica mais frustrante, quando isso acontece com pessoas. No âmbito das relações sociais. Em que as pessoas não vem com um manual, ou uma lista do que fazer corretamente, para atingir o resultado de x. Nem mesmo eu. As pessoas são contas matemáticas com diversos resultados, todos para o mesmo problema. E isso pode ser desesperador pra minha cabeça processar. E minha única resposta disponível, no meu reduzido banco de sentimentos classificados e nomeados é a frustração.

Chame de autismo, chame de TDAH, chame do que for. É assim que meu cérebro processando as coisas e não é fácil me desvencilhar disso. Sabe lá se é ao menos possível. Então, tenho que ter paciência. 

E escrever o máximo possível sobre. 

6 comentários:

  1. Nossa... Me identifiquei muito. Uma vez ouvi alguém.dizer que o cerebro de algumas pessoas foi feito pra criar, não pa lembrar. Acho que a partir de agora eu vou aproveitar bem mais os momentos sem fazer nada, os momentos sem to-do lists.

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  2. oie lana, me identifiquei muito com o seu post! não tenho diagnóstico de neurodivergencia mas vivo esquecendo coisas "básicas" por estar sempre muito absorta em todos os pensamentos possíveis. não é como se eu estivesse distraída, é como se eu não conseguisse focar em uma única coisa por ter tantas outras rodando minha cabeça, não sei se pra você é do mesmo jeito. essa semana já esqueci: carregador, fone de ouvido, caneca no banheiro do trabalho e essas micro coisas acabam me frustrando muito. mas se me cabe uma dica, não se cobre/julgue muito quanto a isso, se podemos ser pacientes com outras pessoas, podemos ser com nós mesmos também.

    gostei de ler o seu relato, espero que esteja bem!

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  3. O início do seu texto me lembrou um momento chatinho que vivenciei na infância. Eu fazia terapia ocupacional e fui na copa, quando voltei a terapeuta disse que eu tinha retirado as etiquetas da garrafa de café, mas eu não lembrava disso e até hoje não lembro. Ela "mostrou" aos meus pais as imagens da câmera, mas não me mostrou. Até hoje não tenho certeza do que fiz kkkk :/

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  4. espero que você fique melhor, obrigado por partilhar seus sentimentos connosco

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  5. é muito louco ver esse seu desabafo e também como a galera se identifica e pensar também que isso é algo tão recorrente nessa rotina super acelerada que a gente leva, tipo, não colocando mérito ou tirando, mas qual foi a última vez que a galera fez algo sem sentir culpa, ou algum tipo de peso, despretensiosamente, sem cobranças e tal... ou mesmo sem esse impulso de estar observando, absorvendo e vivendo tudo, essa hiperatenção sabe. eu sinto isso às vezes, que várias coisas escorrem pelos meus dedos pois eu esqueço, ou algo assim, e não por eu fazer algo errado, mas pela vida colocar a gente nessa corrida louca e a gente se torna só um espectador passivo do cotidiano e tal. enfim, escreva mais, acho que é um caminho maneiro pra entender, refletir e quem sabe, encontrar caminhos

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  6. Oi Lana! É muito complicado viver assim, essa coisa de fazer uma lista e lembrar da lista me lembrou o tempo que passei fazendo terapia e tentando estabelecer uma rotina onde eu não me deixasse afundar num rolê ansioso e depressivo. E lembro muito bem como era fodido entrar na rotina, mas sair dela com algum imprevisto e tudo ruir. Compreendo também sua frustração com o rolê da água. No fim, não temos como mudar alguns comportamentos, mas podemos nos adaptar a eles. Talvez uma daquelas tampas que recarrega e você só aperta um botão para a água sair do galão? Não é só uma dica de como lidar com a situação, mas um lembrete que cada pessoa existe de um jeito, e as coisas precisam se adaptar. Sua forma de pensar e esquecer é válida, não faz por mal, não é má vontade ou birra, e não custa nada o meio se adaptar a você.

    Garota do 330

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